terça-feira, 30 de novembro de 2010

O Mural




Agora, em frente daquele mural, que perpetua a memória de toda a humanidade, de todos os homens que ali choraram, sente-se nos gestos gravados nas rochas gritos e lamentos de revolta quase sempre contidos, mas que um dia explodem. Depois vem o murmúrio, complacente, redutor de todos os males. Senta-se numa pedra defronte daquele mural, para testemunhar quão ténue é a linha que nos pode transformar.

Válter Deusdado

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Conto de Natal - Os excluidos

Caros companheiros
O blog da turma de informática está de novo activo, e espera os vossos contributos quer em novas mensagens quer em comentários das mensagens já publicadas.
Vamos a isso porque é bom participar

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FICÇÃO:

Eram muitos os irmãos, pelo menos seis por enquanto, e apenas uma rapariga. Os pais ganhavam a vida nas feiras, com uma carrinha muito velha, modificada, que fazia de barraquinha de comes e bebes. Eram conhecidos pelos “ratos”, embora ninguém soubesse bem porquê, mas olhando para aquelas caras fininhas, criadas sob um véu de pobreza, de cabelos espetados e nada cuidados, faziam lembrar de facto uma ninhada de ratos. Os mais velhos, em idade de irem à escola faltavam muito, e raramente obtinham aproveitamento. Por vezes faltavam um mês seguido as aulas. Quando regressavam, diziam que tinham andado a fazer as feiras nos carrinhos de choque. Os pais, aos mais velhos perdiam o rasto, ficando semanas fora de casa quando partiam com outros feirantes, a ajudar em alguma coisa a troco de quase nada.

Na escola eram mal amados, porque desestabilizavam toda a escola. Dali apenas se esperava disparates. Porém, nos últimos tempos o comportamento agravara-se por recorreram a agressões e outras acções de violência. As professoras eram o alvo mais apetecido, mas todos os funcionários eram molestados por aqueles três irmãos, que conseguiam juntar a sua roda mais de uma dúzia de outros rapazes dispostos a competir naquelas zaragatas. Uma das professora a Dona Glória, com filhos a frequentar a escola, tentava chamá-los à razão, com palavras que pudessem alterar aquele rumo. Numa tarde, véspera de Natal com a escola já em férias, um dos irmãos apareceu por ali com as mãos nos bolsos, e aquele andar gingão. Ao avistá-lo a professora Glória chamou-o.

- Então o que fazes por aqui Sandro?

- Gasto o tempo, respondeu ele encolhendo os ombros.

- Então diz-me lá! Sabes que hoje é a noite de consoada! Como passas tu a consoada?

- Está tudo programado. Daqui a pouco, juntamo-nos uns quantos e vamos por aí a roubar comida e bebida para logo à noite. Depois fazemos uma fogueira e comemos e bebemos tudo. A seguir vamos por aí pelas ruas a partir os vidros das casas abandonadas, que é para a bófia, não ficar com o cu sentado toda a noite á lareira.

Ao ouvir aquilo, lembrei-me de repente de o convidar a passar a consoada na minha casa.

- Este ano não posso, já estou comprometido e não posso faltar, mas vou para o ano.

- Fica então combinado?

- Está bem...está bem...

No ano seguinte, no dia da consoada a professora Glória recebeu um cartão de “Boas Festas” do Sandro, com estes dizeres –“ Este ano não posso cumprir a minha promessa porque estou preso, mas para o próximo ano, conte comigo”-.

À noite durante a ceia, a professora Glória contou esta história à mesa, e todos disseram;

- “para o ano o Sandro senta-se ao pé de mim” -


Válter Deusdado