Crónica das Férias
FICÇÃO:
Era sempre motivo de grande alvoroço a chegada das ferias. Deitava-se para trás das costas os livros escolares, os afazeres diários programados. Na noite que antecedia a partida, era um nunca mais acabar de juntar coisas, que iriam fazer falta na praia.
A viagem começava cedo, para poder chegar ainda com muito sol ao Algarve. A estrada até Grândola, era penosa, por causa dos muitos camiões. Depois melhorava um pouco e era tempo de parar para almoçar. Agora que o calor aperta, o carro, já com alguma idade pede algum descanso.
Quando deixamos para trás a serra do caldeirão, começamos a agitar-nos, e são necessárias palavras mais ríspidas par voltarmos a estar sossegados. Instalamo-nos ainda o sol estava quente, e corremos logo ao pátio da pensão ali ao lado para ir cumprimentar a amiga Maria do Rosário.
Era uma rapariga da nossa idade, que crescera sempre ali, a mãe solteira, cozinheira e criada da pensão, nunca conheceu outro emprego. Todos os anos era assim, e assim fomos crescendo. Depois aos dezasseis anos, o meu irmão André, pediu-lhe namoro, mas ela não só não aceitou, como passou a olhar para nós com desconfiança. De nada serviu a insistência para namorar nos anos seguintes. À medida que os anos iam passando, Maria do Rosário, ia tomando o lugar da mãe, e fazendo o atendimento ao balcão.
Passaram mais de dez anos. Todos casamos, regressava-mos sempre no Verão, e Maria do Rosário, mantinha-se no seu posto. Continuava solteira e cada vez falava menos. Cumprimentava-nos e depressa passava as suas tarefas. Ano após ano, aumentava o distanciamento e isso intrigava-me. Tenho que arranjar forma de voltar a conversar com Maria do Rosário com outrora. Numa tarde que parecia calma de clientes, ali junto ao balcão, atiro a Maria do Rosário aquela pergunta de pequena provocação.
- Que saudades Maria do Rosário, de quando éramos garotos, e das brincadeiras desse tempo. Fiquei a aguardar a resposta. Maria do Rosário parecia que não iria responder. Ia acrescentar qualquer coisa quando ela levantou a mão e fez menção que ia falar.
- Só tenho saudades do tempo da meninice, enquanto fui criança. Depois nunca mais tive alegria, simulava-a.
- Agora me lembro que muitas vezes nos evitavas. Porquê Maria do Rosário?
- Fui maltratada, negaram-me a felicidade, porque, sem ainda saber o que isso era fui violada, castraram-me. Esse homem, o patrão da pensão já morreu, mas eu já tinha morrido há muito tempo.
Saí dali a gostar ainda mais de Maria do Rosário. Nunca disse nada a ninguém nem aos meus irmãos, não que ela mo pedisse, mas porque faria tudo para ela ser feliz, por um instante que fosse.
Válter Deusdado
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