terça-feira, 22 de outubro de 2013

Crónica da vida na cidade

 
FICÇÃO:

Era uma correria. De manhã então parecia um jogo, como quem foge dele próprio. Tantas ruas e tanta gente sem destino, porque eram sempre as mesmas, ou outras as pessoas que enchiam as ruas. Passa o eléctrico, deixá-lo, leva destino, e vai cheio de gente. Alguém tem pressa e tenta furar, mas não, contorce-se e pouco avança. Aquele mendigo já há dias estava ali. É a casa dele. Não pode ser, ali chove. Na paragem também chove, o vento corre e não para. A valeta vai cheia de água, entope, extravasa, que mal tem isso se ninguém repara. Os sapatos estão velhos, ensopados de água. Compro outros logo que possa. Ah!, mas o fim de semana ainda vem longe, longe devia eu estar daqui, para sentir outros cheiros. O cheiro aqui é podre. A cidade não está bem. Olha aquele, por pouco não atropela o garoto, mas eles também, parecem sanguessugas por entre a confusão.

Agora vou apanhar o barco, talvez ali encontre um banco para descansar. Olhe? Por favor!..., onde passa o 21?, Eu também não sei. Nunca soube. Há tantos, que nunca sei onde estou. Vá de metro, mas entrar naquele labirinto não é para todos. Como se sai depois? E o bilhete. Tira-se numa máquina, e as moedas? Rejeitadas, não tenho mais, agora vou a pé. Mas que horas serão?. O relógio está parado, mas as luzes estão acesas, algumas, outras não. Agora fico aqui abrigado. O carro avariou, Uff! Que gritaria de buzinas, o homem não sai do carro. Está com medo, espera a policia que não chega. Vou-me embora, eles que buzinem, estão entretidos. Toda a gente a puxar ao carro.
Roubaram alguma coisa? Parece que não. Mas, e aquele burburinho. Sim é uma senhora a quem roubaram a mala. Fugiram, eram dois ou mais, ninguém os viu. A mala apareceu, mas vazia. A polícia não veio, está lá no carro avariado. Olha vou por esta rua mais sossegada. Não vás, aí é que está o perigo. Quanto mais gente melhor, sentimo-nos mais seguros, encostamo-nos uns aos outros. Vou jantar aquele pequeno restaurante, não é que me apeteça. Está sempre sujo, cheio de papéis junto ao balcão. O bom era, como da outra vez, que até tive dificuldade em usar tantas facas e garfos. A comida era só um bocadinho de cada vez. Comi pouco, mas sai sem fome. Olha! bem me parecia que era uma prostituta, está para ali, espera um cliente, já não é nova. Vem cá!, chama ela, eu?, Não tenho dinheiro, não faz mal, eu só quero conversar, mas sobre o quê?, Oh! Apetece-me falar, e vi logo que podia falar consigo. O dia corre-me mal, também a mim, nisso somos iguais. Se calhar temos mais semelhanças. Vou-me embora, já é tarde. A minha rua parece diferente, aquele quer arrumar o carro, num lugar de uma bicicleta. Fica em diagonal, metade no passeio metade na estrada. A porta de casa está aberta, subo ao 2.º andar e atiro-me para cima da cama. Quero adormecer, e sonhar com o paraíso.

Válter Deusdado

Sem comentários:

Enviar um comentário

Diz lá o que pensas disto!